
Para conhecer o que se passou na época, ele recorda a importância dos registros dos centros de informação do Exercito (CIE), da Marinha (Cenimar) e da Aeronáutica (CISA), bem como os arquivos dos DOI-CODI. A versão das Forças Armadas é de os acervos da época foram descartados, diz Figueiredo. Ele contesta. "Parte do material se perdeu e outra continua nas mãos de militares da reserva e em organizações militares que se recusam a cumprir determinações da Justiça Federal, da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da CNV".
As informações esclareceriam de vez episódios como o da Guerrilha do Araguaia, no Sul do Pará, ocorrida no início dos anos de 1970 com a participação de cerca de 80 guerrilheiros do PCdoB, então de orientação maoísta. O grupo foi descoberto rapidamente e resultou na maior mobilização militar do Brasil após a Segunda Guerra Mundial, com o deslocamento de milhares de soldados para a região. O grupo foi dizimado, mas a captura de seus últimos remanescentes durou quase quatro anos.
Paradoxalmente, a falta de informações sobre o período militar brasileiro vem acompanhada pela crescente oferta de documentos irrelevantes como fontes de pesquisa. "Hoje temos acesso a mais de 11 milhões de páginas de documentos sigilosos produzidos durante a ditadura; eram 400 mil em 2009", afirma Figueiredo. A documentação não diz nada. "São apenas fichas funcionais de burocratas".
Rupturas e transições acordadas
Para Antônio Costa Pinto, a ditadura no Brasil foi menos dolorosa que a portuguesa, já que essa perdurou por muito mais tempo (1926/1974) e só foi suplantada à força, após a exaustão do país com o processo de independência das antigas colônias portuguesas na África, como Angola e Moçambique. Para ele, o retorno à democracia no Brasil foi semelhante ao espanhol, onde as elites autoritárias se entenderam com as forças democráticas para uma transição pacífica.
O pesquisador português lembra que, em 1970, 70% dos países do mundo eram governados por regimes ditatoriais, com o apoio quase unânime das elites sociais, políticas e econômicas. Já em 2010 quase 80% do mundo era dominado por regimes de orientação democrática, em boa parte após as elites autoritárias negociarem com as forças democráticas os respectivos períodos de transição. "O primeiro ponto desse pacto de silêncio é não haver punição em relação às ações passadas das elites autoritárias, por meio das ditaduras", observa o historiador português.
Já o historiador Boris Fausto, em sua exposição na mesa de debates "Tempos de ditaduras e de rupturas", realizada em Braga, aprofundou a análise das características do período autoritário brasileiro. Para ele, o impacto desse período não pode ser minimizado e esquecido, porque deixou sequelas na população, na política e nos rumos da História do país.