
Os historiadores José Murilo Carvalho, Lúcia Bastos e Marcello Basile esquadrinharam por quase duas décadas bibliotecas no Brasil, em Portugal e no Uruguai - a antiga Província Cisplatina. O objetivo era encontrar informações sobre um dos períodos mais conturbados da política brasileira, entre os anos de 1820 e 1840. O material encontrado foi mais caudaloso que o imaginado. E permitiu a seleção de 362 panfletos, 68 cartas, 60 análises e 107 sermões, diálogos e manifestos e 127 poesias e relatos - para compor os quatro volumes do livro "Guerra literária – Panfletos da Independência (1820-1823)", publicado pela Editora UFMG.
Para Marcello Basile, a quantidade de panfletos surpreendeu, assim como a amplitude do debate, que redimensiona a visão elitista do processo de Independência. "O debate foi muito mais amplo e diversificado do que se pensava e atingiu todas as categorias sociais", afirma. Do material encontrado, os pesquisadores aproveitaram apenas os relativos ao Brasil.
Os panfletos começaram a ser escritos em 1820, quando eclodiu a Revolução Liberal do Porto, em Portugal, exigindo o retorno de Dom João VI para a Europa. O episódio abriu "guerra literária" entre os portugueses e brasileiros, conforme o cônego Luís Gonçalves dos Santos, o padre Perereca. Em panfletos, o padre defendeu o Brasil contra desaforos de alguns lusos. Manuel Fernandes Tomás, por exemplo, considerava o país "selvagem, inculto, e terra de macacos, dos pretos e das serpentes".
Outros episódios atiçaram mais lenha à fogueira, como a mobilização para Dom Pedro I ficar no país, a Independência do Brasil, a Guerra da Cisplatina e entreveros como a Guerra dos Farrapos, a Sabinada, a Cabanagem, a Revolta dos Malês e a Balaiada. O ano de 1840 marca o declínio dessa maré, com o reconhecimento da maioridade de Dom Pedro II.
Os panfletos
Divulgados geralmente à surdina, para fugir da repressão das autoridades, os panfletos eram escritos por magistrados, padres, militares e profissionais liberais ligados à administração pública. Precisamente 95 dos autores foram identificados. Muitos panfletos políticos eram afixados em postes para a leitura dos passantes. Outros eram reproduzidos em gráficas, quando a imprensa praticamente ainda não existia.