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pedro miranda
Miguel Sopas no fHist 2015
Travessias barrocas de Portugal ao Brasil
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O que é improvável aos olhos da maioria das pessoas torna-se real nos debates promovidos pelo 3º Festival de História em 2015. Prova disso são as mesas "Barrocas matrizes: identidades urbanas, arquitetura, arte e legados", ocorrida em Braga, Portugal, dia 23 de maio, e "Travessias barrocas: de Braga ao Arraial do Tijuco", realizada em Diamantina, Minas Gerais, dia dez de outubro. Os debates revelaram diversos pontos comuns entre as cidades dos dois lados do Atlântico, confirmando os diálogos oceânicos em mais de 500 anos de história, e comprovaram que apesar de aparentemente improvável, são muitas as características comuns que aproximam a milenar cidade portuguesa de Braga, à histórica Diamantina e à moderna Brasília.

Neste cenário fortemente religioso está incluído o Santuário de Bom Jesus do Monte que, segundo a historiadora e professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Guiomar de Grammont, foi, seguramente, o modelo para o Santuário de Bom Jesus do Matosinhos, em Congonhas, Minas Gerais. A professora destaca que é fundamental perceber essa relação artística entre Portugal e a o Brasil colonial, na comparação entre os dois conjuntos, porque ambos mostravam aos fiéis que deviam alcançar a fé através do sofrimento de Cristo. Isso era parte do movimento da Contra-Reforma, que buscava recolocar os princípios da fé católica a partir das meditações propostas do padre jesuíta Inácio de Loyola. A ideia era uma ascese espiritual da contemplação dos Passos da Paixão, tendo a arte como função religiosa.

A religiosidade e outros traços da arte e da arquitetura portuguesa podem ser visto no trabalho de um português que, de acordo com a professora de História da Arte da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM), Cláudia Orlandi, é um dos mais discretos do século XVIII. Nascido em Braga, José Soares de Araújo atravessou o Atlântico e trouxe para o Tijuco uma pintura ilusionista, própria do barroco europeu. Seu trabalho de falsa arquitetura, própria do barroco, pode ser observado na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Diamantina, que tem o campanário ao fundo, algo bastante comum nos templos em Braga. Sua arte também está presente na Igreja de Nossa Senhora do Rosário e em distritos de Diamantina, como na Igreja de Sant'Ana de Inhaí, onde uma pintura trabalhada com um ponto de fuga cria a ilusão de uma gravura em três dimensões.

O olhar de Lúcio Costa

Do lado de cá do Atlântico, o arquiteto Lucio Costa, vencedor do concurso do Plano Piloto de Brasília, passou grande parte de sua vida estudando a arquitetura brasileira. O arquiteto, professor da Universidade de Brasília (UNB), e diretor do Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Andrey Rosenthal Schlee, conta que na década de 1920 a arquitetura neocolonial era a marca no Brasil. Lucio Costa em 1924 já havia ganhado alguns concursos importantes e começava a se destacar no cenário nacional. Neste ano, em Diamantina, coleta informações sobre os imóves, registradas em anotações e desenhos de grande qualidade gráfica. A partir de então, foram diversos estudos nos dois lados do oceano, tanto na Europa como em Minas Gerais, que deram origem a um vasto material sobre a arquitetura genuína portuguesa e à compreensão da arquitetura brasileira.

Em uma de suas viagens, em 1952, Lucio Costa percorreu Portugal de ponta a ponta e produziu cinco cadernos com anoteções e desenhos, incluindo entre eles a Catedral de Braga, detalhada em suas portadas e púlpitos, e, também o Santuário de Bom Jesus, sobre o qual tinha especial interesse no Conjunto dos Passos, na comparção com o de Congonhas. Os cadernos de Lucio Costa ficaram "sumidos" por muitos anos e só foram encontrados após sua morte (1998), dentro de um armário. O material foi publicado pela Furnarte, em 2013, em uma edição de luxo.

Sobre Diamantina, Lucio Costa deixou um singelo comentário: "lá chegando, caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que eu ignorava, um passado que era novo em folha para mim. Foi uma revelação: casas, igrejas, pousada dos tropeiros… E mal sabia que, 30 anos depois, iria projetar nossa capital para um rapaz, da minha idade, nascido ali". (COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995)

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