
Schwarcz destacou imagens de "mães negras", com seus pequenos senhores brancos, eles com os nomes completos, elas chamadas "amas" ou "babás", quando muito o primeiro nome, como Mônica, o rosto crispado, o sinhozinho Augusto Gomes Leal buscando aconchego, na fotografia de 1860. "O racismo é a transformação da diferença em desigualdade", definiu a antropóloga, mostrando o "ideário do branqueamento" após a abolição. Em 1911, o diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Baptista Lacerda, representou o Brasil no I Congresso Universal das Raças, em Londres, com a tese "Sur Lês Métis", defendendo que o Brasil em três gerações seria uma sociedade branca. Ao voltar, ele trouxe na bagagem a tela "A Redenção de Cam", do pintor espanhol Modesto Brocos, de 1895, mas seria duramente criticado: três gerações eram demais!
Diploma de brancura
No Brasil de hoje, com a segunda maior população afrodescendente do mundo, depois da Nigéria, o "branqueamento" carregado de simbolismos, permanece na linguagem do racismo, a despeito de mudanças significativas com as políticas afirmativas de igualdade racial. "O pardo é uma cor social", afirmou a antropóloga, e está presente nas categorias do Censo para pedir a autodeclaração dos brasileiros. Ela relatou um jogo de futebol, promovido anualmente em Heliópolis, no Rio de Janeiro, entre dois times: brancos contra negros.
"Todos os anos os jogadores mudam de time e entre as razões está a ascensão social", contou. Era o caso de um jogador que foi lhe comunicar que mudaria de time, pois "se sentia mais branco". Ela perguntou: mas não há um critério? "Há sim, professora, se o cabelo mexer, não pode jogar no time dos negros", ele respondeu.
A professora Macaé Evaristo, mestre em Educação, ativista de Movimentos Negros e então secretária de Estado de Educação de Minas Gerais, destacou mecanismos utilizados na política de educação, após a abolição, para manter, e até aprofundar, a exclusão social dos negros e o "ideário do branqueamento" na cultura brasileira. Embora tenha havido expansão das escolas públicas, isso não favoreceu os afrodescendentes, afirmou. Ela projetou fotos do livro "Diploma de Brancura: política social e racial no Brasil", de Jerry Dávila (2006), que investiga a política de educação entre 1910 e 1945, e dá o exemplo do "branqueamento" do quadro de professores do Rio de Janeiro: em 1911, uma foto mostra cerca de 15% de alunas e professoras negras na escola vocacional Orsina da Fonseca. Já em 1946, havia apenas brancas na Escola Normal.
"Se não transformarmos as relações raciais no país e no universo da educação básica, provavelmente não teremos êxito nas ações afirmativas de acesso a educação", condiciona a educadora. Segundo Macaé Evaristo, o desafio é fortalecer a identidade da população afrodescendente no ambiente escolar. "Não basta universalizar o acesso, a partir do momento em que a criança negra ingressa na escola, ela descobre que alguma coisa a coloca em um lugar desigual, começa a questionar o seu cabelo, a sua estética", explica. Citou o número elevado de jovens entre 15 e 17 anos fora da escola e o mundo excludente desses jovens negros, chamados "bandidos", de quem é preciso esconder a bolsa quando se aproximam. Por outro lado, apontou esperança com a Lei nº 11.645, que obriga o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, levando as crianças às suas raízes.
"Quando avançamos nos marcos jurídicos, as forças conservadoras se rearticulam para revogar as conquistas do movimento negro", lamentou. São exemplos a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, sem a aprovação de seu financiamento, e a tentativa de redução da maioridade penal, citou.
Entre os portugueses, o investigador Diogo Ramada Curto, da Universidade Nova de Lisboa, não hesitou em criticar a historiografia portuguesa na abordagem da escravatura e de como ela produziu o racismo, dizendo que os portugueses têm a aprender com os brasileiros. Para Ramada Curto, a historiografia portuguesa lança mão de diferentes "estratégias e desculpas" em relação à expressão e organização do tráfico negreiro, com o objetivo de sugerir que o colonialismo português foi melhor do que de impérios europeus.
O professor português propõe pontos que devem ser mais investigados, entre eles, o nexo entre a história da escravatura e a continuação do trabalho escravo ao longo do século XX nas colônias africanas. "Reduzir a escravatura a algo que é contemporâneo da humanidade é naturalizá-la", alertou Curto.
Memórias da resistência dos negros
Um dos maiores pesquisadores da História da África e da escravidão no Brasil, João José Reis, da Universidade Federal da Bahia, apresentou na segunda etapa do 3º fHist em Diamantina fatos cotidianos de resistência dos escravos. Pouco explorada pela historiografia, essa visão foge à representação de negros e libertos, sempre vítimas ou heróis, destacou.
"O mais típico era a fuga, quando direitos costumeiros, conquistados por resistências cotidianas, não eram respeitados pelo senhor", explica. Parte de uma safra do café, permissão para o uso da terra com lavoura própria e o sustento da família são exemplos. Segundo o historiador, muitas dessas fugas eram individuais e temporárias, como forma de negociação com pequenos proprietários de escravos, que não tinham dinheiro para mandar recapturá-los.
O professor relata que em algumas revoltas os escravos chegaram a escrever um "tratado de paz", com reivindicações específicas tal uma "greve" moderna. Havia, também, a manipulação psicológica, que fazia o senhor crer que sua vontade prevalecia, mas era, na verdade, sugerida pelos escravos. "A alforria entra nessa autonomia moral dos escravos de fazer com que o senhor atendesse suas demandas", mencionou.
Segundo João Reis, alguns libertos fizeram fortunas, inclusive com o tráfico negreiro, comprando escravos quando havia o desembarque e os preços caiam. Entretanto, mesmo a acumulação de riquezas não lhes garantia reconhecimento social e o Brasil não chegou a ter uma elite negra.