Portal do Festival de História
Pedro Miranda
Fernando Morais no 3º fHist, em Braga - Portugal
História x jornalismo: sem campo sagrado
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O universo literário do historiador e do jornalista é tema da quarta reportagem da série sobre as edições passadas do Festival de História. De autoria do jornalista Felipe Canêdo, a matéria foi publicada na Revista do 3º fHist.

"Estou pendurando minhas chuteiras. Quero voltar a fazer o que de alguma forma faço nos meus livros, que é voltar a fazer jornalismo. Vou parar de escrever livros. Ganho mal, sofro muito para escrever", desabafou o renomado jornalista e escritor Fernando Morais na mesa "Universos literários: a História pelas lentes dos historiadores e jornalistas", no Festival de História, realizado em Braga, Portugal, em 2015. Com livros traduzidos em mais de 40 países, entre eles biografias célebres como "O Mago", sobre Paulo Coelho, e "Chatô", sobre Assis Chateaubriand – que acaba de ser lançada em filme pelas lentes de Guilherme Fontes –, Morais defendeu que não há contradição entre o trabalho do jornalista e do historiador.

"Eu tenho uma relação conjugal com a historiografia, porque sou casado com uma historiadora. Faço essa discussão dentro de casa há 30 anos" -, brincou.

Para ilustrar a distância entre os dois campos, Morais contou um episódio curioso de quando estava escrevendo a biografia de Olga Benário. Em uma entrevista, o líder comunista Luís Carlos Prestes revelou, "com a mais completa naturalidade", que nunca tinha estado com uma mulher até se casar com a militante alemã. "Procurei colocar isso no livro sem tratar como uma bisbilhotice. Ainda assim, na hora que minha mulher, historiadora, leu o original, ela me disse: isso aqui é uma coisa vulgar. Você não pode colocar isso no livro. A virgindade do Prestes não interferiu na história do Partido Comunista Brasileiro." Ao que Fernando Morais retrucou: "Isso pode não ser interessante para a sua história, mas para a minha é. Porque eu acho que é uma informação relevante para se entender a personalidade do Prestes."

Vira-lata e puro-sangue

O jornalista Lucas Figueiredo sublinhou que há grandes diferenças entre as duas formações, de jornalista e historiador, mas afirmou categoricamente que "não há mais campo sagrado". "Nós somos os vira-latas, somos tarefeiros. Você joga o pauzinho e o vira-lata vai lá buscar. É simples. O historiador é o puro-sangue. E um não é melhor do que o outro." Em defesa de seus pares, ele comentou também que jornalistas têm se destacado em reportagens inéditas sobre o período da ditadura militar, agraciadas ano após ano com o Prêmio Esso de Jornalismo.

"Quando o jornalista Laurentino Gomes lança "1808" e estoura, ali existe um estranhamento. Mas ele fez o livro, foi um fenômeno, teve gente que soube da existência de Dom João VI através dele. E quando o professor Kenneth Maxwell escreve uma crônica à quente na "Folha de São Paulo" sobre a crise do PT, para mim é muito melhor do que muito jornalista que está fazendo isso todo dia", ponderou Figueiredo.

Já o historiador Roberto Said, que trabalha em uma reconstrução biográfica de Carlos Drummond de Andrade sobre o período em que o poeta viveu em Belo Horizonte, apontou a vida do itabirano como um caso exemplar de biografia para os estudos literários. "A biografia sempre nos coloca uma série de problemas, por estar nessa fronteira entre real e ficção, a memória. E no caso do artista o problema dá um parafuso porque o poeta é um fingidor. O jovem Drummond colocou mais lenha na fogueira, porque a tentativa de entender que sujeito foi aquele revela uma multiplicidade de pseudônimos, uma coisa meio Fernando Pessoa."

Já o jornalista Sinval do Itacarambi evocou Heródoto (490-80 a 430-20 a.C.) – tido como o "pai da história" – para mostrar como matérias de correspondentes estrangeiros no jornalismo moderno poderão ser as fontes científicas para os historiadores de amanhã. Sinval também citou Ryszard Kapuscinski, jornalista que trabalhou em diversos países, como Heródoto, e que acabou escrevendo sobre o próprio historiador grego.

Durante os debates, a historiadora Heloísa Starling referendou as opiniões dos debatedores, argumentando: "São dois ofícios com suas especificidades, mas quando eles se aliam na produção de conhecimento, o resultado é muito bom. O conhecimento não pode ficar fechado nas paredes dos que podem saber. E esse é o problema da historiografia, embora não seja o problema dos grandes historiadores do Brasil. O jornalista consegue fazer isso com mais eficiência do que nós, exatamente porque os ofícios são diferentes."

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